Se abrisse um bocadinho mais os olhos conseguia ver para lá dos montes onde moram as minhas recordações. Mas decidi não o fazer, até porque nem sempre querer é poder.
Fiquei por aqui, do lado de dentro da minha janela, mas com o olhar preso lá fora. Foi o regresso da luz suave de Outono, daquela vontade tremenda de que chegue o frio, a neve, a lareira, o quentinho, e a noite de Natal.
E de repente lembrei-me...
A Sara tinha seis anos quando lhe morreu a mãe, eu também tinha seis anos. Não éramos as melhores amigas, mas gostávamos de brincar juntas. Nesse dia fui almoçar a casa e a minha mãe contou-me o que tinha acontecido. Foi estranho. Voltei para a escola e encontrei a Sara sentada sozinha no fundo do escorrega. Com o olhar vazio, o sorriso apagado. E eu, sabia porquê. Sentei-me ao pé dela, conversámos.
Um dia, depois de já ter crescido mais qualquer coisa, voltei a encontrar a Sara e ela disse-me que nunca mais se esqueceu da nossa conversa e de como nesse dia fomos a melhor amiga uma da outra. O laço ficou.
Deste lado da janela vêem-se os autocarros cheios de gente, vê-se a luz entre o azul e o rosa da janela do prédio da frente, vê-se uma senhora carregada de sacos, vê-se um gato preto e branco a invadir o terraço vizinho, e viu-se a Sara quando deixei abrir mais os olhos.