Friday, December 7, 2007

No Cabo do Mundo, ao sabor da pena de Laura Costa...(Parte III)


A Laura tem no seu livro várias descrições, os cheiros, as cores. É muito observadora?

Sim, é interessante. Não é muito fácil, é preciso muita paixão pelo que se vê e pelo que se escreve para poder retratar e tentar que as outras pessoas percebam a que é que cheira, o que é que se sente, e tentar que isso saia fora do papel. Acho que é um dom, acho que não se aprende, é mesmo um dom da própria pessoa que escreve juntar no papel aquilo que sente, que vê e aquilo que vai capturando para depois conseguir que saia do papel. E eu tento explorar este dom, porque é aquilo que eu gosto de escrever e também de ler, quando leio também gosto de sentir. Por exemplo, a Laura Esquivel, é uma chilena que eu leio muito e tem um livro que eu adorei e que já li diversas vezes. Ela tem as receitas de uma tia e o livro é a volta disso, está relacionado com as receitas e eu consigo cheirar o alho, consigo estar a ler e a sentir o cheiro daquela cozinha e daqueles vapores, e é muito interessante, é muito bom. E é isso que eu gosto que o leitor sinta, aquilo que eu estou a sentir na altura em que estou a escrever.

Eu sou muito observadora, hoje nem tanto, uma pessoa tem outro tipo de vivências e começa a ver as coisas de forma diferente, mas as crianças têm muita tendência de querer levar tudo ao mesmo tempo, sobretudo quando gostam, e eu tinha medo de me esquecer, e entao escrevia para não me esquecer...Gosto mesmo de guardar tudo.

A sua paixão pela fotografia tem a ver com a sua necessidade de guardar tudo?

A fotografia surge porque eu tenho muita pena de não registar alguns momentos. Uma coisa é escrever outra coisa é ter uma imagem. Por exemplo, hoje fui almoçar ao Palácio de Cristal e como estamos numa época muito bonita de Outono em que as folhas são de todas as cores fiquei com muita pena de não ter levado a câmara, e principalmente porque é digital e depois brinco com ela, como toda a gente brinca com uma câmara digital. Fiquei mesmo com muita pena, mas vou pegar nela e levá-la, porque há coisas que eu acho que não se deviam perder, há fotografias, imagens que falam por si e acho que não se deviam mesmo perder. Na fotografia gosto de captar os cantinhos e os recantinhos, gosto de tirar rostos e pormenores, pormenores que passam despercebidos a qualquer pessoa.

E em relação à pintura. O que procura transmitir quando pinta?

A pintura é mais para relaxar, é..Quando eu estou a pintar não penso em nada, quando estou a escrever penso em muita coisa. Quando estou a pintar estou num mundo completamente diferente, as sensações que tenho são completamente diferentes. Todas as exposições em que me pediram para entrar eu recusei, fiz uma exposição colectiva e nunca mais fiz nenhuma. Porque as pinturas que eu faço normalmente, faço para o sítio onde as quero colocar e neste momento não sou capaz de imaginar, sequer, tirar um quadro e mostrá-lo a A B ou C. Enquanto que o livro tenho todo o orgulho em que as pessoas o leiam e apreciem, com o quadro não sinto o mesmo à vontade, porque é um momento de relaxamento que eu tenho. Pego numa tela e faço qualquer coisa,é diferente. Às vezes os quadros saem esquesitos, porque estou mais nervosa ou chateada. É mais isso, é uma forma de retratar uma emoção diferente.

Tem também um blogue, “Vendo passados”, onde tem vários textos e sobretudo poemas. E lá define-se como uma informaníaca e também maníaca pelo prazer que a vida lhe proporciona...

Maníaca pela vida, sim. Toda a gente que gosta de viver é. Sou maníaca pela vida, sedenta da vida, sou uma pessoa que gosta muito de viver, gosto muito do que faço, apesar de ter os aborrecimentos que toda a gente tem. Mas o prazer que a vida nos proporciona é único e devemos aproveitá-lo bem. E estamos sempre a tempo de aproveitar todos os bocadinos da vida.

Um dos poemas que está no blogue é “O Homem que tinha asas de Condor”, que aliás faz parte do seu livro. Ao longo da sua vida tem sido fácil soltar-se das amarras, voar sozinha e devolver as asas ao condor?

Eu vivi muito revoltada, apesar de ser a mais nova e os meus pais já terem uma certa idade e serem mais permissivos, mas eu queria sempre mais, mais em termos de liberdade, achava que ninguém me iria impedir de fazer as coisas. E foi por isso que eu com vinte anos decidi comprar um apartamento e sair de casa. Comecei a trabalhar muito cedo, entrei na faculdade e ao mesmo tempo comecei a trabalhar. Hoje em dia os miúdos não sentem tanto isso, porque têm muito mais facilidade em viver as coisas e não têm vontade de sair de ao pé dos pais. Eu sentia muitas amarras porque me sentia muito limitada, e enquanto havia colegas minhas e até mesmo os meus irmãos muito mais acomodados à situação, eu sempre fui muito revoltada e muito diferente. Queria muito desatar essas amarras, porque eu não tinha nada a ver com aquilo e queria ser uma pessoa liberta de preconceitos, de tabus, como sou ainda hoje. Essas amarras siginificam a forma como me obrigavam a estar atada e não era só fisicamente, era a outros níveis. Eu queria voar sempre mais alto, mostrar que tinha capacidades, porque é engraçado, eu ponho-me a pensar como gostava que os meus dias fossem diferentes uns dos outros. Nós damos por ela a viver os dias muito iguais e isso é uma coisa que me dói e eu tento sempre que as coisas não sejam assim, tento sempre dar um gosto diferente ao dia, acordar com uma ideia nova ou para o livro ou para uma pintura. Porque estou todo o dia ligada a um computador e estou a programar, a fazer análise ou outro trabalho que pode ser criativo em termos informáticos, mas que não é a minha criatividade pessoal. Fora do trabalho ter sempre uma ideia nova, é a tal forma que tenho de estar sempre a ver e a pensar a toda a hora. É cansativo, mas é bom. E é o que faz com que os meus dias sejam diferentes e melhores.

Como referiu, está a escrever um novo livro. Quer desvendá-lo um pouco?

Ainda é um bocadinho prematuro, porque eu tenho receio de estar a falar e depois as coisas darem outra volta. Mas o livro passa por uma homenagem a uma criança. Eu fui escuteira muitos anos e esse miúdo veio para o agrupamento com seis ou sete anos e era uma criança autista. Naquela época ninguém estava muito receptiva a aceitar crianças diferentes. Nem sabiam sequer como lidar com isso, nem o que era um autista, era só mais um deficiente. Ele chegou, integrou-se muito bem no agrupamento, eu fui uma das monitoras dele. Agora tem 30 anos e continua lá, e a mãe acha que o miúdo evoluiu muito, de uma forma que ela não estava à espera, porque ele nunca andou em colégios especiais nem nada parecido e os escuteiros deram-lhe um grande convívio. Ele ainda hoje se lembra de pessoas que já não vê há cinco, seis anos e sabe o nome delas. Conhece toda a gente do agrupamento e sente-se muito feliz lá e eu sempre gostei muito dele e sempre o entendi muito bem. Então o livro é mais ou menos uma homenagem a ele, aliás o título do livro é um nome próprio, que não é o dele, mas é o da criança que no livro é autista. Não estou a fazer muita pesquisa nem muita investigaçao, porque acho que isso acaba por ser muito maçudo e este, tal como o anterior, é também um livro de emoções. Tem, ainda, uma vertente policial porque vai acontecer qualquer coisa com essa criança e, portanto, o objectivo do livro não é chegar a li e descrever o que é o autismo, não. É mais mostar a capacidade de um autista perante a sociedade e mostrar que na realidade um autista pode ser uma pessoa com muito valor, muito válida. É um livro muito diferente que me está a dar bastante trabalho. Não lhe consigo pegar como peguei no primeiro, em que eram umas emoções atrás das outras. Este requer um tempo específico, que eu tenha um trabalho muito mais árduo em relação ao tempo, ao espaço. Mas está a dar-me muito gozo.

Não posso dizer que esteja numa fase já muito adiantada, não tenho a tal estrutura, o tal esqueleto que gostava de ter. O livro ainda vai levar muitas voltas...

Actualmente exerce uma activiade profissional e escreve. Um dia gostava de se tornar escritora a tempo inteiro?

Sim, se me reformasse...E muitas vezes eu digo isso, aliás eu já tenho 26 anos de casa e queria reformar-me com saúde, claro, e com uma capacidade semelhante à que tenho agora para poder usar o tempo da forma que eu mais gosto, que é a escrever e a pintar, sem dúvida. Gostava não de me tornar uma escritora, porque eu não me considero uma, sou antes alguém que teve coragem para escrever e publicar um livro. Considero-me uma pessoa com coragem por ter mandado cá para fora uma coisa que escrevi para mim, sou mais uma aventureira. Mas se realmente tivesse tempo, investia na escrita.

Num dos seus poemas diz.: “Estupidamente inteligente.../É assim que eu sou/Porque recupero tudo o que levas de mim.../Sempre que eu quero.” O que procura recuperar no tempo?

Por exemplo, agora tenho alturas em que me refugio na biblioteca Almeida Garret e outro dia pude trazer quatro livros. Peguei em quatro livros que achei que podia gostar e vim para a rua com um sorriso estranho porque achei que tinha outra vez cinco anos e que tinha ido à Gulbenkian, depois acabei por constatar que já os tinha lido. Mas tive o prazer “gratuito” de há quarenta anos atrás...

A partir de uma certa idade há um certo medo de não voltar a viver alguns momentos, daqueles que nos arrepiam, e o recuperar desses momentos e emoções vai fazer parte da minha vida sempre. Embora não possa recuperar sensações que tinha aos 18 anos quando via uma pessoa por quem estava apaixonada sentada numa esquina do café e ficava muito corada. São sensações únicas, que fazem o coração bater mais forte. Hoje, chegar a casa e escrever três páginas e depois ler, faz-me corar e bater o coração. Eu não sou muito presa ao passado, já passou...e o presente ja quase não é...mas foi do passado que trouxe os ensinamentos. Recuperar emoções é importante para me sentir viva.

E, agora em relação ao futuro, quais são os seus projectos?

Não me identifico muito com uma compilação de textos ou poemas, como me propôs um amigo escritor, que leu um dos meus poemas na apresentação da 2ºediçao do meu livro na Bertrand do Dolce Vita. Embora não esteja fora de questão. Só que é mais ou menos como eu voltar aos pedacinhosde mim e juntá-los num livro, e depois eu ía passar por aquela situaçao do ser demasiado íntimo e não querer publicar. Esses textos, essa poesia, escrevo-os mais para começar o meu dia, normalmente escrevo-os de manhã. Os livros são uma obra em que invisto, quero que tenham princípio meio e fim, que transmitam uma mensagem a muitas pessoas. É um objectivo diferente. Para já, acho que o meu futuro passa por um livro infantil, que tenha ilustrações minhas também. É um projecto muito arrojado, porque é muito difícil escrever um livro infantil. Os miúdos são os principais críticos e não dizem que gostam sem gostar, é um público mais exigente. Mas é um projecto que gostava de concretizar mais para a frente. Quando acabar este livro talvez volte a usar o “meu” menino autista.


Parte I
Parte II

No Cabo do Mundo, ao sabor da pena de Laura Costa...(Parte II)


Laura Costa nasceu em Valongo em 1962, onde reside actualmente.

Frequentou o curso de Engenharia Electroténica, no ISEP.

Ingressou em 1982 numa instituição bancária, onde trabalha actualmente como técnica de informática.

É casada e tem dois filhos de 18 e 12 anos.


As suas preferências reflectem-se um pouco na sua escrita sensitiva. É uma escritora de emoções?

Sim, acho que a minha escrita é mesmo assim, deixo-me levar muito pelo que estou a sentir no momento e a maior parte das vezes não releio o que está para trás, quer dizer, releio numa de correcção mínima, mas não faço grandes alterações. E uma das coisas que me têm dito acerca do livro é que parece que eu estou a falar, e de facto isso torna a escrita bastante mais realista. Na realidade, é mesmo assim que eu sou e é esse o tipo de escrita que tenho. Estou a escrever outro livro agora, que não tem nada a ver uma coisa com a outra, é um enredo completamente diferente. O primeiro, apesar de não ser biografia, é mais relacionado com a minha vivência pessoal, e este é uma história que não tem rigorosamente nada a ver comigo. Mas dou por mim a ler, às vezes, algumas coisas que escrevo e a achar que é o tipo de escrita que eu tenho, não é que repita as palavras mas é a forma das frases e a própria construção das frase, a pontuação, muitas vezes exagero nas retecicências, nos pontos de exclamação, dou muito enfâse à frase que escrevo, e transpareço muitas emoções ao leitor, isso é bom. Quando um escritor, e não estou a falar em “lamechice”, consegue transmitir ao leitor uma emoção que se pode traduzir num sorriso, numa lágrima, em qualquer tipo de reacção, acho que já valeu a pena.

Na apresentação do seu livro, “Cabo do Mundo”, em Chaves, disse que «este livro foi escrito “ao sabor da pena”, sem qualquer tipo de estudo prévio e que as personagens foram nascendo à medida que o enredo as ia pedindo». Alguns escritores dizem ser “comandados pelas personagens”. É isso que lhe acontece?

Exactamente, aliás o livro não teve qualquer tipo de esqueleto. Às vezes as pessoas pensam: “bem vou escrever um livro e vai começar assim, vai ter um meio assim e acabar assim”. Mas depois é um bocadinho difícil concretizá-lo, porque há coisas que nos saem fora do controlo. Eu, por acaso, não pensei nada dessa forma. Este livro começou com uma conversa entre duas amigas e é assim que ele começa. A partir daí desenrolou-se sozinho, quando dei por ela estavam a aparecer as personagens com nome e tudo. E havia alturas em que até tinha receio que a história me fugisse das mãos, porque era mesmo o próprio livro que se impunha. E acabou por não acontecer nada como eu estava à espera. Há uma altura do livro em que parece que ele vai acabar e a maioria das pessoas que lê está à espera disso, e acha que acabaria bem naquela altura, até lamentam que ele tenha tido o final que teve. Mas eu tive de continuar a história, ele não acabou ali porque nao podia acabar ali, eu já não tinha grande controlo sobre isso, nem foi a minha própria vontade, acho que era a própria personagem Luísa que pedia que ele continuasse e acabasse da forma como acabou. E no final do livro, e eu só escrevi um,não sei como me vou sentir quando acabar este, respirei de alivio porque tinha acabado e realmente tinha conseguido fazer uma obra com que tinha sonhado toda a vida, porque sempre foi um sonho para mim escrever uma coisa e publicar, mas fiquei muito triste, com muita pena ao mesmo tempo.

No entanto, apesar desse sonho e vontade de publicar, guardou-o na gaveta muito tempo, durante quatro anos. Porqûe?

Na verdade, tem uma certa lógica. Eu escrevi toda a vida sem nunca mostrar o que escrevia, achava que eram coisas demasiado íntimas. Neste primeiro livro foi difícil estar isenta da minha própria realidade, porque muito do estado de espírito que está no livro, apesar de a história não ter directamente a ver com a minha vida pessoal, é muito a minha emoção e a minha forma de ver as coisas, as opiniões, a maneira de lidar com os assuntos, a minha forma de ver o mundo. Isso tudo é meu e é tão meu que eu tinha receio de me expôr, de me desnudar dessa forma. Por isso, guardei-o. Eu tinha escrito para mim, para os meus filhos, para o meu marido, tinha escrito para nós lermos em casa, não era uma coisa que eu achasse que as pessoas estivessem interessadas em ler. Só que depois, no final, achei que era uma história bonita e cá em casa disseram “ai por que não publicas mãe?”, mas eu achava que não ía ter hipótese. Até que um dia escrevi para a Papiro Editora. Estava a ler o jornal e vi um anúncio a dizer que precisavam de novos escritores, era uma editora muito recente, muito nova e apostava em novos autores. Então, antes de ir de férias, contactei com eles. Quando regressei tinha uma carta deles a pedir para ir lá entregar a obra, que estavam interessados em ler e a partir daí a pessoa que estava à frente da editora e que leu disse logo que sim, que a obra tinha pés para andar e que era uma pena deixá-la ficar. Foi assim que começou. Foi um percurso giro, foi bom, porque não estava à espera e a surpresa foi muito agradável. Não investi como muitas pessoas, que dizem “ai vou pedir àquela editora ou levar ali e acolá”, nem tive tempo de fazer isso, porque correu bem da primeira vez.

Tem algum refúgio especial, uma espécie de “cabo do mundo” onde se encontre a sós com a sua escrita?

O mar é muito importante, tenho muita pena de não morar perto do mar, acho que a minha vida fazia muito mais sentido se morasse, se o pudesse visitar, não no Verão, apesar de ir à praia com a família. Eu gosto do mar de Inverno, da onda batida, mesmo fria na praia, isso gosto...e de estar sozinha, que é coisa que não acontece nos meses de praia. E também tenho algumas experiências antigas, ultrapassei certas situações complicadas da minha vida, precisamente porque me refugiei na praia, e caminhava durante horas. Fiquei com uma ligação muito forte ao mar, esse cheiro do mar que me faz tanta falta e às vezes só consigo ao fim-de-semana. E então grande parte do livro foi escrito numa fase em que eu tinha mais disponibilidade de tempo, e passava os fins-de-semana ou os sábados à tarde ou de manhã na praia. Ficava no carro e escrevia, porque achava que ali tinha muito mais inspiração, e grande parte do livro foi mesmo escrito no Cabo do Mundo,uma praia. Por isso é que e chama “Cabo do Mundo”.

Uma das personagens do seu livro, “Cabo do Mundo”, xavier, diz: “Quando a vontade de escrever me vem do fundo da alma, solto-me completamente e as palavras surgem, não do nada mas de dentro de mim e, sinceramente, chego a espantar-me com as revoluções que surgem no papel, sem eu ter conhecimento da sua existência.” Também é assim que acontece consigo?

Sim, de certa forma eu posso dizer que há muita coisa que “me” aparece no papel, e eu acho que basta escrever uma única palavra para relacionar tanta coisa com ela que as frases aparecem, assim, em catadupa. É engraçado porque às vezes ponho-me a pensar, e um “talvez”, um “nunca”, “até amanhã”, um “e se fosse agora” é suficiente para escrever um texto de não sei quantas linhas sem antes ter pensado em nada do que ía escrever. Isso faz parte da magia das palavras, as palavras puxam-se umas às outras e têm simbologias completamente diferentes, mas no fundo são muito próximas e eu jogo com elas, pego numa palavra e surgem-me não sei quantas que posso relacionar com aquela, depois o resto vem...É um bocadinho assim, posso dizer que sim. Há sempre coisas que se revelam e com as quais não estava a contar.



Parte I
Parte III

No Cabo do Mundo, ao sabor da pena de Laura Costa... (Parte I)


Refugiou-se no Cabo do Mundo para escrever o seu primeiro livro e por isso deu-lhe esse nome. Apaixonada também pela fotografia e pela pintura, Laura Costa gosta de observar e “guardar” o mundo. É “maníaca pela vida” e desde menina que escreve, porque tinha medo de se esquecer das suas pequenas histórias.

Escritora de emoções aventura-se, agora, na escrita de um segundo livro, sobre um menino autista.

Se lhe pedir para recuar no tempo, regressar ao seu passado e trazer de lá algumas das suas histórias, o que traria para contar?

Toda a gente tem histórias do passado, algumas delas ficam mais na memória do que outras. Mas eu não sou uma pessoa com muitas histórias, acho que sou uma pessoa com mais imaginação do que histórias, talvez porque antigamente as coisas aconteciam de maneira muito diferente. Os dias não eram como os de hoje, era tudo muito mais natural, nós viviamos muito na rua uns com os outros, tínhamos as brincadeiras de rua, íamos da escola para casa e nunca estávamos em casa, íamos sempre para a rua. Era muito diferente, hoje em dia os miúdos ficam em casa na internet ou assim. Mas tenho algumas histórias, aliás algumas delas passei-as para o papel, na altura, porque tinha medo de me esquecer, achava-as engraçadas e tinha mesmo medo de me esquecer. Foi precisamente por causa do acumular dessas histórias que me lembrei de escrever o que escrevi. Achava que era um desperdício ter tantas folhas, e não é que o livro seja uma compilação das histórias. Na realidade, é o fruto do meu insvestimento na escrita. Eu tenho uma série de coisas guardadas que nem sei se darão um livro, são memórias minhas e acho que nao tem grande sentido estar a publicá-las. Mas as minhas histórias para mim eram importantes porque eu fazia questão de as passar para o papel. Dá-me muito gozo olhar para elas e reviver exactamente o que aconteceu, embora não sejam assim tantas.

Então desde criança que escreve...Teve alguma influência especial, alguém que a motivasse para a escrita?

Não, eu acho que era mesmo a preocupação de me esquecer das coisas. Eu comecei a ler muito cedo, sou a mais nova de sete irmãos e quando nós éramos miúdos não havia dinheiro para comprar livros. Então nós tínhamos a biblioteca da Gulbenkian e todos os dias eu tinha oportunidade de ir buscar seis livros, os meus irmãos também eram sócios e eu ía com eles. Com cinco anos arranjei maneira de o senhor me deixar trazer os livros, poque eu só podia ser sócia a partir dos seis. E foi assim que comecei a aprender a ler. Lembro-me perfeitamente dos livros onde aprendi a ler, que eram os livros do “Pequenu”, mais tarde comprei a colecção toda, na esperança de que os meus filhos achassem piada, não acharam piada nenhuma. E, entretanto, tenho-os ali, até acho engraçado quando às vezes vêm pessoas cá a casa, do meu tempo, e ficam muito admiradas ao verem os livros, porque pensavam que tinham desaparecido.

A partir do momento em que se investe tanto na leitura, desde muito cedo,e eu estive sempre a ler mais do que um livro ao mesmo tempo, tenho 45 anos, é só fazer as contas, a vontade de escrever vem por inerência, é mesmo uma vontade. Porque ao ler tanto tempo e tantos anos as palavras acumulam-se dentro de nós, e acha-se que se consegue pegar nelas e transformá-las segundo a nossa vivência, é engraçado. Mas sempre tive muita vontade de escrever, sempre escrevi poesias quando era pequenina, coisas a que hoje até acho piada, não têm nada de especial, eram os meus desabafos.

E quais são os seus autores de referência, as suas afinidades literárias?

Eu leio muito diversificado, leio muito qualquer coisa. Estou a ler um livro mas também leio uma revista, leio tudo o que me aparece à frente e sempre fui assim. Revistas, jornais, livros, tudo o que estiver eu tenho de ler, seja bom ou mau, porque também gosto de ler o que é mau. Autores portugueses, além dos clássicos que fui obrigada a ler, e não tenho grandes recordações deles, porque é complicado gostar de algo que nos obrigam...Não sou muito de autores portugueses, sou mais de autores latinos, latino-americanos, chilenos, gosto muito dos espanhóis, argentinos. Portugueses posso falar do que tenho lido, por exemplo, o Equador, de Miguel Sousa Tavares, gostei muito. É um dos livros que eu não me importo nada de reler qualquer dia. Não gosto muito do José Rodrigues dos Santos, acho que ele não tem grande originalidade naquilo que escreve, baseia-se bastante naquilo que está na moda e isso faz-me alguma confusão. Depois é um escritor muito denso, eu gosto de pegar num livro e ter vontade de o acabar, e os livros dele são muito parecidos com dicionários. Fujo de livros com demasiada informação, porque quando quiser informação vou procurá-la, acho que é uma informação injectada e não gosto. Gosto de um livro com um enredo e uma história com os quais me identifique e que me traga algo de novo, que não me faça perder o fio à meada, porque depois é muito complicado para mim voltar. Saramago também não. É engraçado que eu não estou a dizer aquilo que gosto mas antes o que não gosto. Gosto do Ballester, de Sepúlveda, gosto de Pedro Juan Gutiérrez, é um dos meus preferidos. Ele é um jornalista cubano que retrata Havana como ela é, com todas as cores e cheiros. Gosto desses livros, mesmo que pareçam grotescos, mas que são muito reais e que me fazem viver aquilo tudo com muita intensidade. Neste momento, em cima da minha mesinha de cabeceira estão mais ou menos 10 livros, um deles é de Lobo Antunes, que ainda não comecei a ler. Estou com algum receio, porque nunca li nada dele.

Parte II
Parte III

O Sexo e a Cidade

À noite, nas ruas de Bragança, não se vêem prostitutas velhas, exageradamente maquilhadas, com cabelos brancos mal pintados e botas de cano alto vermelhas. Mas, dizem as más línguas que é em Bragança que elas moram.

Desde o tão badalado caso “Mães de Bragança”, trazido a público pela revista Time, a cidade nunca mais se livrou da fama, mas continua sem o proveito.

Se existem casas de alterne ilegais? Sim, existem. Tal como existem na grande maioria das cidades do país. Esta é a realidade em que vivemos e os homens do interior norte são iguais aos homens do litoral sul.

As mães de Bragança foram corajosas? Não. Porque ter coragem não é culpabilizar terceiros é assumir responsabilidades. Que culpa têm as brasileiras, muitas vezes enganadas e maltratadas, cheias de vontade de mandar os homens das mães dar uma curva, que eles saiam de casa de noite com a desculpa da festa de anos do amigo ou então sem qualquer desculpa, para irem satisfazer as suas necessidades e fantasias eróticas. Para eles é um mal, ou melhor, um bem necessário.

As mães defendem a família, os filhos, a felicidade imaculada do lar. As mães esquecem-se de que são mulheres, que não têm de se subjugar ao marido, que ser feliz não é sinónimo de sagrada família e que afinal nem só de pão vive o homem. Falta-lhes a coragem e o respeito próprio.

A Time achou ter neste triste episódio um grande furo jornalístico e chamou duas prostitutas até às muralhas do castelo, porque fotos de “monumentos” ficam sempre bem...

Depois do caso “Mães de Bragança”, quis acreditar que pelo menos alguns traficantes de mulheres fossem julgados e punidos. Mas, na realidade, os que não fugiram para o Brasil continuam a passear-se por lá e a fazer “render o peixe”.

Os comerciantes também já se manifestaram. Dizem eles que há menos brasileiras, e isso é mau. As cabeleireiras já não têm quem pentear e os taxistas, que já nem abriam a porta de dia, deixaram também de a abrir à noite.

Certo é que nem antes nem depois se viram mulheres da vida nas ruas de Bragança, a andar de um lado para o outro, a seguir à frente de um homem gordo, com o cabelo desgrenhado e barba por fazer, acabado de encher a barriguinha em casa e com vontade de chegar e vencer. Em Bragança eles têm de entrar numa daquelas casas por onde se passa e se vira a cara, têm de se sentar num sofá de veludo vermelho (ou numa cadeira de pau velho) e observá-las recostados; têm de beber cerveja e ganhar força para subir as escadas do andar de cima e caber na porta do quarto.

Em Bragança, há prostituição tal como no Porto, em Lisboa, em Faro ou em Viseu. E acalmem-se os mais susceptíveis e que eventualmente não moram numa destas cidades, porque nas outras também há. O que não há, pelo menos que se tenha visto, são umas mães como aquelas. Mas isso, já se agradece.

Monday, November 5, 2007

Outra Presença online

O jornal Outra Presença online ganhou o primeiro prémio no escalão dos jornais electrónicos, no concurso promovido pelo Público, através do projecto de Educação para os média, Público na Escola.


O Outra Presença é o jornal da Escola Secundária Abade de Baçal, em Bragança, e surgiu em 1959 como um Boletim com o nome Presença.
Hoje aventura-se no ciberespaço e continua a ser orgulho para todos os que já fizeram parte dele e que recordam as suas páginas de estórias. Impresso e online, o Outra Presença é um vencedor!

Katie Melua

Viu-se a Sara...

Se abrisse um bocadinho mais os olhos conseguia ver para lá dos montes onde moram as minhas recordações. Mas decidi não o fazer, até porque nem sempre querer é poder.

Fiquei por aqui, do lado de dentro da minha janela, mas com o olhar preso lá fora. Foi o regresso da luz suave de Outono, daquela vontade tremenda de que chegue o frio, a neve, a lareira, o quentinho, e a noite de Natal.

E de repente lembrei-me...

A Sara tinha seis anos quando lhe morreu a mãe, eu também tinha seis anos. Não éramos as melhores amigas, mas gostávamos de brincar juntas. Nesse dia fui almoçar a casa e a minha mãe contou-me o que tinha acontecido. Foi estranho. Voltei para a escola e encontrei a Sara sentada sozinha no fundo do escorrega. Com o olhar vazio, o sorriso apagado. E eu, sabia porquê. Sentei-me ao pé dela, conversámos.

Um dia, depois de já ter crescido mais qualquer coisa, voltei a encontrar a Sara e ela disse-me que nunca mais se esqueceu da nossa conversa e de como nesse dia fomos a melhor amiga uma da outra. O laço ficou.

Deste lado da janela vêem-se os autocarros cheios de gente, vê-se a luz entre o azul e o rosa da janela do prédio da frente, vê-se uma senhora carregada de sacos, vê-se um gato preto e branco a invadir o terraço vizinho, e viu-se a Sara quando deixei abrir mais os olhos.

Wednesday, September 26, 2007

Passam 5min das 2h e eu já estou atrasada...


Voltei a passar por ela.

A caminho da faculdade, retomo a rotina do 1º ano mas agora no 2º, revejo mais uma vez as caras que preenchem a Praça da República. Os comerciantes que guardam a fruta à porta das mercearias; aquela velhinha que gosta de passear por ali durante a manhã e que continua na mesma. Passam os autocarros: o 600 e o 304. Passam 5min das 2h e eu já estou atrasada.

Tempo para reparar nela. Reparei pela primeira vez...Já nem sei quando, mas sei que nunca mais deixei de a ver. Desde então, observo-a cada vez que passo. No início tinha o cabelo curto, loiro, a pele muito branca, os olhos azuis reveladores. Olhar de turista feliz e com a certeza do regresso a casa. Mas ela foi ficando, encostada a um dos lados da montra vazia junto ao café. Todas as manhãs frias de Inverno eu passava por ela enroscada em mantas, serena e só...Todas as primeiras tardes quentes de Verão eu passava por ela sentada na sombra, serena e só...

Vi-a todos os dias, olhei-a todos os dias, reparei nela todos os dias, tive vontade de lhe dizer “olá” todos os dias, mas a verdade é que nunca fui capaz de fazê-lo.

Não sei quem lhe dá comida, onde toma banho, onde conversa, onde ri e onde chora.

Hoje, que voltei a passar por ela, vi-a mais magra, com o cabelo mais comprido, as calças de ganga mais sujas, a pele menos branca, o olhar mais baço e menos azul. Encostada no mesmo canto, de costas para a mesma montra, a comer umas bolachas, a olhar vaziamente a Praça. A mesma que vê enquanto nós vemos novas cidades nas férias, enquanto apanhamos sol na praia, enquanto vamos ao café, enquanto chegamos a casa cansados e nos atiramos felizes para o sofá, enquanto procuramos o comando metido entre as almofadas e depois vemos um filme, enquanto tomamos um banho quente e chove lá fora, enquanto comemos chocolates e lemos uma revista, enquanto dormimos no seio dos lençóis brancos e dos cobertores quentinhos.

Está pura e simplesmente parada, não vive nem sente o que nós vivemos e sentimos. Existe ali, quase intemporalmente, sente apenas as variações da vida mexida dos outros, talvez repare em mim quando passo. Não sei. Talvez se recorde de um pai e de uma mãe, de um irmão, de um tio, de um amigo, das pessoas que eram a vida dela...Talvez guarde muitas memórias secretas (para mim) naquela mochila de pano com riscas de várias cores e que está quase a romper de cheia (não sei com que coisas...).

O tempo passa-lhe naquele canto, de dia e de noite. Eu já estou 10min atrasada...Vou indo.

Sunday, September 16, 2007

A lus de Nancy

Nancy Adelaide Vieira nasceu em 1975 na Guiné Bissau, mas passou grande parte da sua infância em Cabo Verde.

Hoje, depois de ter vindo para Portugal e de se ter licenciado em Sociologia, a cantora delicia-nos com a sua música.

Conta já com três trabalhos editados: Nós raça, Segred e Lus.

Wednesday, August 22, 2007

"Only skin"

Para ouvir, respirar, saborear, sentir...vale mesmo a pena deixar-nos levar pela voz de Joanna Newson.

free music

Wednesday, August 8, 2007

"Gotan Project"

Gotan Project é um grupo musical formado em Paris, que lançou o seu primeiro single em 2000: Vuelvo Al Sur/El Capitalismo Foraneo.

O grupo musical mistura tango com ritmos de música electrónica e hip hop, por exemplo.

É constituído pelos músicos: Philippe Cohen Solal (francês), Eduardo Makaroff (argentino) e Christoph H. Müller (suíço).







A música é sem dúvida excelente! :)




Monday, August 6, 2007

"E um Sorriso podes dar-me?"

A rua de Sta. Catarina movia-se a passos largos, a roçar as pernas nos sacos de compras, a fervilhar debaixo do Sol quente e no meio do pó insuportável das obras.

Um grupo de jovens “estranhos”, diriam alguns, que usam roupas escuras, penteados irregulares, brincos em partes do corpo menos usuais, que são, enfim, diferentes; ocupam a rua, desenham com talento e tentam vender a sua arte. Nos bancos ali ao lado os velhos observam todos estes movimentos, conversam e olham de soslaio, acompanham o burburinho que vagueia na rua.

Continuo o meu caminho, sempre com o olhar de turista que o Porto ainda me dá e sigo até ao Via Catarina atafulhado de pessoas, mergulhado no barulho das máquinas registadoras, dos cartões de crédito que pagam as sandálias prateadas que uma mulher alta e morena acaba de experimentar.

Não encontrei o que queria e saí de novo, agora com um leve vento a fazer os cabelos bater-me na cara, decidi descer a rua, mas antes, à entrada do “Via”, deliciei-me com os acordes da guitarra daquele rapaz meio rouco que quem por ali passa já conhece. O seu companheiro pede esmolas, com o chapéu, a todos que como eu andam a gastar uns trocos (ou mais). Pergunta-me se não posso dar-lhe uma ajuda. Como já vem sendo habitual sempre que me deparo com uma situação destas, digo que não tenho dinheiro ou que não posso. Afinal, torna-se impossível ajudar quem quer que seja com a quantidade de pessoas que pedem nas ruas do Porto. O rapaz insistiu e eu parei, ainda pensei dar-lhe, mas lembrei-me que na verdade não tinha moedas, repito o “não tenho” e desta vez sou surpreendida com um novo pedido.

“E um sorriso podes dar-me?”

Valeu a pena ter parado, ter olhado para o rapaz em vez de lhe virar a cara. Foi uma sensação estranha, sei que fiquei a olhar para ele, que o meu ritmo cardíaco acelerou perante a surpresa.

“Claro que lhe posso dar um sorriso.”

E sorrimos os dois. Ele voltou-se para outro homem que passava e eu continuei a descer a rua lentamente, ao som daquele sorriso...

Thursday, June 21, 2007

Pelo menos ele canta bem...

Há dias em que apetece enterrar a cabeça na areia...fugir para aquele cantinho de casa onde ninguém nos vê e ninguém nos encontra...pelo menos ele canta bem:)


Friday, June 1, 2007

Era uma grande estrela de papel...

Dia Mundial da Criança....

"Brinquedo"


Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.


Miguel Torga


Monday, May 21, 2007

Sunday, May 20, 2007

Cheira a baunilha e alperce...

Fui lavar as mãos. De repente senti aquele cheiro e lembrei-me da praia, de quando era pequenina, construía castelos na areia e usava aqueles fatos de banho coloridos. Sorri, estava a fazer uma viagem na memória dos cheiros, estava embrenhada naquele perfume a alperce e baunilha, rodeada pelos amigos da colónia de férias.

Isto já me aconteceu mais vezes, com outros cheiros e outras memórias. É estranho, mas é tão bom. E delicio-me sempre quando me acontece.

Primeiro aquele cheiro familiar, que começa a percorrer-me devagarinho até me fazer recordar daquele dia, daquela ocasião. Depois as imagens, os sons, as sensações. Porque há momentos que nos ficam através do cheiro.

Eu associo alperce e baunilha à praia, porque era esse o champô que usava para lavar os cabelos sempre que regressava de um banho de mar. Hoje, esse é o meu cheiro de praia.

Gosto de viajar assim, de sentir que possuo este perfume, que ele ficou para sempre em mim, que o reconheço, que é meu.



Friday, May 18, 2007

"Queima ao Sol no Cortejo"

“E o sol, lá do céu risonho vem beijar…e as capas ondulantes…no peito a vibrar o coração dos estudantes…” Ecoam hinos nas ruas do Porto, as vozes e as cores dão vida ao cortejo que se compõe aos poucos e que desespera por avançar.

Terça-feira, 15h30min, o cortejo inicia o seu percurso. Lado a lado todas as faculdades gritam e festejam. Uns porque participam neste “desfile” pela primeira vez, e anseiam passar a tribuna para deixar de ser caloiros; outros porque chegam ao fim de uma das etapas mais importantes das suas vidas; todos porque são estudantes da Academia do Porto.

Este é um dos dias mais marcantes da semana académica, os estudantes saem à rua e centenas de pessoas “invadem” a baixa do Porto para os ver passar.

À frente os cartolados, seguidos pelos restantes doutores e pelos caloiros, cada um grita com orgulho o nome do seu curso ou faculdade.

Os fitados preenchem os carros alegóricos e comandam as vozes, os “gritos de guerra”, a rivalidade que “em demasia, é muito errada, os estudantes da UP deviam esquecer as guerrilhas em muitas ocasiões e devia haver mais humildade por parte de toda a gente”, diz André Montenegro, caloiro do curso de engenharia informática na FEUP (Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto). E brinca, “por exemplo, lá porque Engenharia é a melhor casa da Academia, não vamos andar a espalhar isso.”

Nem o calor, nem o cansaço, afastam os jovens universitários. As bengalas continuam a erguer-se, a passar de mão em mão e a dar as três pancadinhas da sorte. “Dá muita saudade e nostalgia sentir que esta etapa está a acabar”, diz Jorge Cardoso, finalista do curso de Ciências Farmacêuticas da UP. E para quem “o ano de caloiro foi o melhor, não me importava de repeti-lo porque conheci pessoas novas, uma realidade diferente, extremamente enriquecedora”.

Este é o sentimento partilhado por todos os finalistas.


A tradição do cortejo inicia-se em 1978, quando a Queima das Fitas ressurge no Porto com a designação de Mini-Queima. Esta consistia num desfile pelas ruas da cidade, tal como acontece hoje. No entanto, na altura gerou alguma polémica e contestação em vários quadrantes da sociedade, que a consideraram uma manifestação reaccionária.

A Queima tem sofrido uma progressiva mutação e deixou de ser restrita aos estudantes, para passar a ser uma das maiores festas da cidade do Porto e a maior festa académica do país.

São 17h00 e medicina acaba de passar a tribuna, são os primeiros. A emoção e a alegria são visíveis, os caloiros deixam de o ser. “É uma sensação fantástica, o culminar de um ano muito especial!”, afirma Paulo Pancrácio, estudante da FMUP (Faculdade de Medicina da UP), que acrescenta, “passar a tribuna não é o mais importante, é apenas mais uma das várias actividades que fazemos. O somatório de todas elas é que é realmente importante!”

Seguem-se as Faculdades de Ciências, Engenharia, Letras, Farmácia…O cortejo é longo, é necessário aquecer a voz e manter o fôlego. Os vendedores de cerveja e água fresca aproveitam a oportunidade de negócio. “Olha a cerveja fresquinha! Não quer menina?” A “tia” Maria Antónia já conhece bem o ambiente do cortejo, sabe que a maioria dos estudantes não recusa a sua oferta. O dia é de excessos, o álcool é para muitos “um elemento essencial desta festa.”



Às 2h00 da manhã ouvem-se os últimos estudantes. A tribuna vê passar os alunos da Universidade Fernando Pessoa. “ Doem-me os joelhos, mas estou feliz!”, diz Cátia Bernardes, que frequenta o curso de Terapia da Fala, e que sente orgulho “por ter aguentado o caminho até ao fim.”

Sobram os papéis coloridos, os Aliados adormecem enquanto lhes varrem os vestígios, os estudantes continuam os festejos, agora no queimódromo.

Sonha-se com o próximo cortejo e rasga-se um sorriso.

Monday, May 7, 2007

Avenida João da Cruz: Requalificação ou Descaracterização?

A Avenida João da Cruz, em Bragança, vai ser remodelada. Mas habitantes não concordam com o projecto proposto pela autarquia.

A Avenida tem vindo a perder muita da sua vitalidade com a deslocação do comércio para a “parte baixa” da cidade e das “Festas da Cidade” para o Parque Eixo Atlântico. A maioria julga a revitalização da zona necessária, mas considera as soluções apresentadas pela Câmara Municipal inadequadas.

De acordo com o plano, o separador central será encolhido e o jardim e zona pedonal serão eliminados. Por outro lado, o passeio do lado direito, junto aos cafés e aos comércios, será alargado dos actuais quatro metros para doze metros de largura. O objectivo é aumentar a zona de esplanadas e facilitar a circulação dos peões.

Com um orçamento de 1 milhão e 640 mil euros, o projecto pretende salvaguardar a mobilidade através de duas rotundas.

Um dos principais problemas levantados é a eventual descaracterização que a intervenção pode provocar na cidade. Depois das obras na Avenida do Sabor, agora Avenida Cidade de Zamora, e que ainda estão em fase de conclusão, os brigantinos temem a perda de uma das artérias mais emblemáticas de Bragança.

“A obra no final vai ficar com boas características e com bons materiais, o que permitirá eliminar esta imagem negativa inicial”, afirma o Presidente da Câmara Municipal, Eng. António Jorge Nunes, relativamente aos atrasos nos trabalhos na Avenida do Sabor, que admite estarem a perturbar bastante os residentes e utentes da via e serem uma das causas da desconfiança dos brigantinos face à remodelação da “João da Cruz.”

O plano de intervenção tem sido muito contestado pela oposição, nomeadamente pelo PS, e por alguns arquitectos da região, como João Ortega para quem “o plano não faz sentido, uma vez que não interpreta o lugar onde quer intervir e privilegia os carros em detrimento das pessoas.”

Já segundo o Presidente da Câmara, “a solução escolhida respeita a identidade da Avenida, propondo simultaneamente uma requalificação que beneficia o uso pedonal, sem que as soluções de circulação automóvel e de estacionamento sejam prejudicadas.”

A Avenida João da Cruz começou a ser construída no final da década de 20 e é, hoje, um espaço privilegiado da cidade. Os trabalhos de pavimentação foram efectuados entre 1942 e 1946 e, finalmente, o ajardinamento e a iluminação foram concretizados em 1956.

A Comissão Politica Concelhia do PS defende a realização de um referendo sobre o assunto. No entanto, esta não tem sido uma possibilidade bem recebida pelo Eng. Jorge Nunes. “Esta matéria não está pois, nos termos da lei, sujeita a referendo”, esclarece o autarca e acrescenta, “pretendemos fazer uma boa intervenção, com a aprovação das pessoas, que serão novamente chamadas à discussão. O projecto será exposto ao público, para que as pessoas se mantenham informadas.”

“A escolha da ideia de requalificação da Av. João da Cruz resultou de um concurso público de ideias, no qual todos os técnicos qualificados tiveram a oportunidade de formalmente apresentar as suas soluções. De Bragança, nenhum técnico ou gabinete de engenharia e arquitectura apresentou proposta”, lamentou o Presidente. E salientou, ainda, os benefícios que esta obra de requalificação e modernização vai trazer à cidade.

Todos concordam que o mais importante é dinamizar o local. Por isso, o projecto está de novo em estudo, a discussão faz-se nos bancos da Avenida, os brigantinos querem uma cidade moderna mas com identidade histórica.

Thursday, April 26, 2007

Horóscopo das Flores...

Numa das minhas navegações sem rumo na internet, descobri "O Horóscopo das Flores". Não sei até que ponto isto tem credibilidade, mas gostei muito do que diz em relação ao meu dia de anos (9 de Agosto). De acordo com este horóscopo sou girassol.

"O girassol simboliza orgulho e nobreza; quem nasceu neste período tem tudo para ter sucesso na vida profissional; as pétalas cor de ouro estão associadas à riqueza e prosperidade;a sua energia solar faz os "nativos" de girassol brilharem em todos os campos da vida; as pessoas deste signo estão aqui para trabalhar; fazer o mundo girar (afinal é "gira sol") e serem reconhecidas por isso!!"

Agora só vos resta irem descobrir o que o "Horóscopo das Flores" vos reserva, divirtam-se!

Quando penso em girassóis lembro-me deste poema de Alberto Caeiro, deliciem-se...



O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914

Monday, April 23, 2007

Atrás da máscara esconde-se Bragança...

No dia 24 de Fevereiro, Bragança inaugurou o Museu Ibérico da Máscara e do Traje. Um projecto desenvolvido pela autarquia local com a colaboração da vizinha província espanhola, Zamora. O novo espaço, único na Península Ibérica, situa-se numa antiga casa da cidadela (zona histórica da cidade de Bragança), e apresenta uma exposição permanente de 60 máscaras e 45 trajes, para além de proporcionar a dezenas de artesãos a possibilidade de venda directa dos seus produtos.

No novo museu estão expostas máscaras, trajes, adereços e objectos usados nas tradicionais «Festas de Inverno» em Trás-os-Montes e Alto Douro e nas «Las Mascaradas de Invierno» da região de Zamora.

Trata-se de um investimento de cerca de 300 mil euros, que visa também a valorização turística da região e a preservação da sua identidade cultural.

Mais um excelente motivo para visitar Bragança e conhecer um pouco da história que se esconde por detrás da máscara.

Monday, April 2, 2007

é tempo do "Digg"

Com a revolução da Internet nasce o Digg. Tal como o tagging, este é um dos conceitos que ajudam a definir a plataforma Web 2.0.

Digg é um “site” para onde os utilizadores enviam as notícias que consideram mais importantes, e onde estas podem ser avaliadas de acordo com os critérios de cada um. As notícias mais votadas alcançam um lugar de destaque, uma espécie de capa, num jornal on-line construído pelos “leitores”. A informação é organizada por categorias, e o conteúdo depende de interesses subjectivos, de votos ou, como os utilizadores tendem a dizer, “diggs”. Não estará em causa a objectividade do jornalismo? Não poderemos caír no sensacionalismo descontrolado?

Porque afinal, torna-se possível que um pequeno artigo, que pode não obedecer a nenhuma das normas jornalísticas, tenha uma projecção equivalente à publicação de um grande jornal, basta que esteja dentro dos padrões de interesses dos que votam.

O conceito de "facto jornalístico" é abalado. Discute-se a credibilidade destes jornais na Web, põe-se em causa a definição de jornalista. E agora? “Digga” lá você!

Novos Desafios Públicos




Este é o novo Público. Mas hoje quero que olhem especificamente para a mensagem da publicidade, sem a associarem directamente ao novo perfil do jornal.

Todos os dias novos desafios surgem na Web 2.0. O mundo constrói-se à velocidade de um clic, sob as ordens de todos os que ousam clicar. As notícias, os eventos, as informações são escolhidas e fornecidas pelos utilizadores da Web. Surgem, portanto, "os novos pontos de vista" e "as novas opiniões". Cada um de nós tem uma palavra a dizer, um papel activo na construção da realidade que se movimenta e transforma na Internet. Somos "cidadãos repórteres!"

Os "novos votos" ("digg"), a possibilidade fácil de ser "jornalista", a partilha de interesses e preferências despertam e transferem para o público a organização do "novo mundo."

Espero que um olhar atento sobre este spot publicitário ajude a compreender a plataforma tecnológica e interactiva, que nos conduz na mudança.

New Agreement Between Abbas, Olmert

Monday, March 19, 2007

Keyword: "Tagging"

Com o desenvolvimento da plataforma Web 2.0 surge o conceito de "Tagging", que se refere à possibilidade de os utilizadores criarem e terem acesso a uma distribuição classificada dos conteúdos na web.

Tags são, portanto, etiquetas que podem ser partilhadas por um grande conjunto de serviços e que relacionam todos os conteúdos através de palavras-chave. No Sapo tags e no del.icio.us, por exemplo, podemos organizar e guardar as nossas "listas de interesses" através deste sistema de etiquetagem; e também partilhá-las com os restantes utilizadores, descobrir novos sites e informações que vão de encontro ao que procuramos .

Este modelo de classificação caracteriza-se pela flexibilidade no acesso à informação, e pela possiblidade de cruzamento entre conteúdos distintos mas que se completam (textos, vídeos, fotografias,etc.), e que por isso podem estar associados à mesma tag.

Em cena: "Plataforma Web 2.0"

O conceito web 2.0 aplica-se a um conjunto de novas possibilidades que, hoje, a Internet nos oferece.

A Internet tem vindo a tornar-se um espaço de trocas que permite aos utilizadores não só recolher informação como também fornecê-la, numa espécie de "jogo interactivo" onde se dá e se recebe.

Web 2.0 é o termo usado para definir este novo conceito de Internet ou "Internet de 2ª geração" caracterizada pela liberdade de dar opinião e pela atribuição, a cada utilizador, de um lugar de destaque na construção deste espaço virtual, que é cada vez mais o "cenário da realidade".

Blogs, Youtube, Wikipédia são alguns dos exemplos da Web 2.0, onde cada um vive a ânsia da "oferta e procura" de informação num mundo frenético, voltado para a imediatez. Valoriza-se a crescente colaboração entre os utilizadores, o intercâmbio e partilha de conhecimento, com vista a um mundo on-line dinâmico e organizado por todos.

Ao serviço de todos e de cada um, a
Web 2.0 transporta-nos da plateia para o palco, apelando à nossa participação nesta plataforma de navegação interactiva.

Monday, March 12, 2007



"Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive!"

Ricardo Reis