Friday, December 7, 2007

No Cabo do Mundo, ao sabor da pena de Laura Costa... (Parte I)


Refugiou-se no Cabo do Mundo para escrever o seu primeiro livro e por isso deu-lhe esse nome. Apaixonada também pela fotografia e pela pintura, Laura Costa gosta de observar e “guardar” o mundo. É “maníaca pela vida” e desde menina que escreve, porque tinha medo de se esquecer das suas pequenas histórias.

Escritora de emoções aventura-se, agora, na escrita de um segundo livro, sobre um menino autista.

Se lhe pedir para recuar no tempo, regressar ao seu passado e trazer de lá algumas das suas histórias, o que traria para contar?

Toda a gente tem histórias do passado, algumas delas ficam mais na memória do que outras. Mas eu não sou uma pessoa com muitas histórias, acho que sou uma pessoa com mais imaginação do que histórias, talvez porque antigamente as coisas aconteciam de maneira muito diferente. Os dias não eram como os de hoje, era tudo muito mais natural, nós viviamos muito na rua uns com os outros, tínhamos as brincadeiras de rua, íamos da escola para casa e nunca estávamos em casa, íamos sempre para a rua. Era muito diferente, hoje em dia os miúdos ficam em casa na internet ou assim. Mas tenho algumas histórias, aliás algumas delas passei-as para o papel, na altura, porque tinha medo de me esquecer, achava-as engraçadas e tinha mesmo medo de me esquecer. Foi precisamente por causa do acumular dessas histórias que me lembrei de escrever o que escrevi. Achava que era um desperdício ter tantas folhas, e não é que o livro seja uma compilação das histórias. Na realidade, é o fruto do meu insvestimento na escrita. Eu tenho uma série de coisas guardadas que nem sei se darão um livro, são memórias minhas e acho que nao tem grande sentido estar a publicá-las. Mas as minhas histórias para mim eram importantes porque eu fazia questão de as passar para o papel. Dá-me muito gozo olhar para elas e reviver exactamente o que aconteceu, embora não sejam assim tantas.

Então desde criança que escreve...Teve alguma influência especial, alguém que a motivasse para a escrita?

Não, eu acho que era mesmo a preocupação de me esquecer das coisas. Eu comecei a ler muito cedo, sou a mais nova de sete irmãos e quando nós éramos miúdos não havia dinheiro para comprar livros. Então nós tínhamos a biblioteca da Gulbenkian e todos os dias eu tinha oportunidade de ir buscar seis livros, os meus irmãos também eram sócios e eu ía com eles. Com cinco anos arranjei maneira de o senhor me deixar trazer os livros, poque eu só podia ser sócia a partir dos seis. E foi assim que comecei a aprender a ler. Lembro-me perfeitamente dos livros onde aprendi a ler, que eram os livros do “Pequenu”, mais tarde comprei a colecção toda, na esperança de que os meus filhos achassem piada, não acharam piada nenhuma. E, entretanto, tenho-os ali, até acho engraçado quando às vezes vêm pessoas cá a casa, do meu tempo, e ficam muito admiradas ao verem os livros, porque pensavam que tinham desaparecido.

A partir do momento em que se investe tanto na leitura, desde muito cedo,e eu estive sempre a ler mais do que um livro ao mesmo tempo, tenho 45 anos, é só fazer as contas, a vontade de escrever vem por inerência, é mesmo uma vontade. Porque ao ler tanto tempo e tantos anos as palavras acumulam-se dentro de nós, e acha-se que se consegue pegar nelas e transformá-las segundo a nossa vivência, é engraçado. Mas sempre tive muita vontade de escrever, sempre escrevi poesias quando era pequenina, coisas a que hoje até acho piada, não têm nada de especial, eram os meus desabafos.

E quais são os seus autores de referência, as suas afinidades literárias?

Eu leio muito diversificado, leio muito qualquer coisa. Estou a ler um livro mas também leio uma revista, leio tudo o que me aparece à frente e sempre fui assim. Revistas, jornais, livros, tudo o que estiver eu tenho de ler, seja bom ou mau, porque também gosto de ler o que é mau. Autores portugueses, além dos clássicos que fui obrigada a ler, e não tenho grandes recordações deles, porque é complicado gostar de algo que nos obrigam...Não sou muito de autores portugueses, sou mais de autores latinos, latino-americanos, chilenos, gosto muito dos espanhóis, argentinos. Portugueses posso falar do que tenho lido, por exemplo, o Equador, de Miguel Sousa Tavares, gostei muito. É um dos livros que eu não me importo nada de reler qualquer dia. Não gosto muito do José Rodrigues dos Santos, acho que ele não tem grande originalidade naquilo que escreve, baseia-se bastante naquilo que está na moda e isso faz-me alguma confusão. Depois é um escritor muito denso, eu gosto de pegar num livro e ter vontade de o acabar, e os livros dele são muito parecidos com dicionários. Fujo de livros com demasiada informação, porque quando quiser informação vou procurá-la, acho que é uma informação injectada e não gosto. Gosto de um livro com um enredo e uma história com os quais me identifique e que me traga algo de novo, que não me faça perder o fio à meada, porque depois é muito complicado para mim voltar. Saramago também não. É engraçado que eu não estou a dizer aquilo que gosto mas antes o que não gosto. Gosto do Ballester, de Sepúlveda, gosto de Pedro Juan Gutiérrez, é um dos meus preferidos. Ele é um jornalista cubano que retrata Havana como ela é, com todas as cores e cheiros. Gosto desses livros, mesmo que pareçam grotescos, mas que são muito reais e que me fazem viver aquilo tudo com muita intensidade. Neste momento, em cima da minha mesinha de cabeceira estão mais ou menos 10 livros, um deles é de Lobo Antunes, que ainda não comecei a ler. Estou com algum receio, porque nunca li nada dele.

Parte II
Parte III

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