Friday, December 7, 2007

No Cabo do Mundo, ao sabor da pena de Laura Costa...(Parte II)


Laura Costa nasceu em Valongo em 1962, onde reside actualmente.

Frequentou o curso de Engenharia Electroténica, no ISEP.

Ingressou em 1982 numa instituição bancária, onde trabalha actualmente como técnica de informática.

É casada e tem dois filhos de 18 e 12 anos.


As suas preferências reflectem-se um pouco na sua escrita sensitiva. É uma escritora de emoções?

Sim, acho que a minha escrita é mesmo assim, deixo-me levar muito pelo que estou a sentir no momento e a maior parte das vezes não releio o que está para trás, quer dizer, releio numa de correcção mínima, mas não faço grandes alterações. E uma das coisas que me têm dito acerca do livro é que parece que eu estou a falar, e de facto isso torna a escrita bastante mais realista. Na realidade, é mesmo assim que eu sou e é esse o tipo de escrita que tenho. Estou a escrever outro livro agora, que não tem nada a ver uma coisa com a outra, é um enredo completamente diferente. O primeiro, apesar de não ser biografia, é mais relacionado com a minha vivência pessoal, e este é uma história que não tem rigorosamente nada a ver comigo. Mas dou por mim a ler, às vezes, algumas coisas que escrevo e a achar que é o tipo de escrita que eu tenho, não é que repita as palavras mas é a forma das frases e a própria construção das frase, a pontuação, muitas vezes exagero nas retecicências, nos pontos de exclamação, dou muito enfâse à frase que escrevo, e transpareço muitas emoções ao leitor, isso é bom. Quando um escritor, e não estou a falar em “lamechice”, consegue transmitir ao leitor uma emoção que se pode traduzir num sorriso, numa lágrima, em qualquer tipo de reacção, acho que já valeu a pena.

Na apresentação do seu livro, “Cabo do Mundo”, em Chaves, disse que «este livro foi escrito “ao sabor da pena”, sem qualquer tipo de estudo prévio e que as personagens foram nascendo à medida que o enredo as ia pedindo». Alguns escritores dizem ser “comandados pelas personagens”. É isso que lhe acontece?

Exactamente, aliás o livro não teve qualquer tipo de esqueleto. Às vezes as pessoas pensam: “bem vou escrever um livro e vai começar assim, vai ter um meio assim e acabar assim”. Mas depois é um bocadinho difícil concretizá-lo, porque há coisas que nos saem fora do controlo. Eu, por acaso, não pensei nada dessa forma. Este livro começou com uma conversa entre duas amigas e é assim que ele começa. A partir daí desenrolou-se sozinho, quando dei por ela estavam a aparecer as personagens com nome e tudo. E havia alturas em que até tinha receio que a história me fugisse das mãos, porque era mesmo o próprio livro que se impunha. E acabou por não acontecer nada como eu estava à espera. Há uma altura do livro em que parece que ele vai acabar e a maioria das pessoas que lê está à espera disso, e acha que acabaria bem naquela altura, até lamentam que ele tenha tido o final que teve. Mas eu tive de continuar a história, ele não acabou ali porque nao podia acabar ali, eu já não tinha grande controlo sobre isso, nem foi a minha própria vontade, acho que era a própria personagem Luísa que pedia que ele continuasse e acabasse da forma como acabou. E no final do livro, e eu só escrevi um,não sei como me vou sentir quando acabar este, respirei de alivio porque tinha acabado e realmente tinha conseguido fazer uma obra com que tinha sonhado toda a vida, porque sempre foi um sonho para mim escrever uma coisa e publicar, mas fiquei muito triste, com muita pena ao mesmo tempo.

No entanto, apesar desse sonho e vontade de publicar, guardou-o na gaveta muito tempo, durante quatro anos. Porqûe?

Na verdade, tem uma certa lógica. Eu escrevi toda a vida sem nunca mostrar o que escrevia, achava que eram coisas demasiado íntimas. Neste primeiro livro foi difícil estar isenta da minha própria realidade, porque muito do estado de espírito que está no livro, apesar de a história não ter directamente a ver com a minha vida pessoal, é muito a minha emoção e a minha forma de ver as coisas, as opiniões, a maneira de lidar com os assuntos, a minha forma de ver o mundo. Isso tudo é meu e é tão meu que eu tinha receio de me expôr, de me desnudar dessa forma. Por isso, guardei-o. Eu tinha escrito para mim, para os meus filhos, para o meu marido, tinha escrito para nós lermos em casa, não era uma coisa que eu achasse que as pessoas estivessem interessadas em ler. Só que depois, no final, achei que era uma história bonita e cá em casa disseram “ai por que não publicas mãe?”, mas eu achava que não ía ter hipótese. Até que um dia escrevi para a Papiro Editora. Estava a ler o jornal e vi um anúncio a dizer que precisavam de novos escritores, era uma editora muito recente, muito nova e apostava em novos autores. Então, antes de ir de férias, contactei com eles. Quando regressei tinha uma carta deles a pedir para ir lá entregar a obra, que estavam interessados em ler e a partir daí a pessoa que estava à frente da editora e que leu disse logo que sim, que a obra tinha pés para andar e que era uma pena deixá-la ficar. Foi assim que começou. Foi um percurso giro, foi bom, porque não estava à espera e a surpresa foi muito agradável. Não investi como muitas pessoas, que dizem “ai vou pedir àquela editora ou levar ali e acolá”, nem tive tempo de fazer isso, porque correu bem da primeira vez.

Tem algum refúgio especial, uma espécie de “cabo do mundo” onde se encontre a sós com a sua escrita?

O mar é muito importante, tenho muita pena de não morar perto do mar, acho que a minha vida fazia muito mais sentido se morasse, se o pudesse visitar, não no Verão, apesar de ir à praia com a família. Eu gosto do mar de Inverno, da onda batida, mesmo fria na praia, isso gosto...e de estar sozinha, que é coisa que não acontece nos meses de praia. E também tenho algumas experiências antigas, ultrapassei certas situações complicadas da minha vida, precisamente porque me refugiei na praia, e caminhava durante horas. Fiquei com uma ligação muito forte ao mar, esse cheiro do mar que me faz tanta falta e às vezes só consigo ao fim-de-semana. E então grande parte do livro foi escrito numa fase em que eu tinha mais disponibilidade de tempo, e passava os fins-de-semana ou os sábados à tarde ou de manhã na praia. Ficava no carro e escrevia, porque achava que ali tinha muito mais inspiração, e grande parte do livro foi mesmo escrito no Cabo do Mundo,uma praia. Por isso é que e chama “Cabo do Mundo”.

Uma das personagens do seu livro, “Cabo do Mundo”, xavier, diz: “Quando a vontade de escrever me vem do fundo da alma, solto-me completamente e as palavras surgem, não do nada mas de dentro de mim e, sinceramente, chego a espantar-me com as revoluções que surgem no papel, sem eu ter conhecimento da sua existência.” Também é assim que acontece consigo?

Sim, de certa forma eu posso dizer que há muita coisa que “me” aparece no papel, e eu acho que basta escrever uma única palavra para relacionar tanta coisa com ela que as frases aparecem, assim, em catadupa. É engraçado porque às vezes ponho-me a pensar, e um “talvez”, um “nunca”, “até amanhã”, um “e se fosse agora” é suficiente para escrever um texto de não sei quantas linhas sem antes ter pensado em nada do que ía escrever. Isso faz parte da magia das palavras, as palavras puxam-se umas às outras e têm simbologias completamente diferentes, mas no fundo são muito próximas e eu jogo com elas, pego numa palavra e surgem-me não sei quantas que posso relacionar com aquela, depois o resto vem...É um bocadinho assim, posso dizer que sim. Há sempre coisas que se revelam e com as quais não estava a contar.



Parte I
Parte III

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