Wednesday, October 8, 2008

Parte I : Perdi-me no cinzento e reparei...

De camisa de noite lilás, aquela sensual, de seda justa ao corpo...saiu até ao alpendre. Os pés descalços sentiram o frio da manhã, o resto sentiu o sol que nascia devagarinho e a segunda-feira soou a sábado tardio e preguiçoso. Sentiu-lhe o toque, suave como a camisa, quente como o sol...As tábuas do alpendre rangeram, naquele som indescritível de tábuas calcadas a dois...num só. Quando o sol é assim e o céu é azul, quando até se vêem borboletas brancas e girassóis amarelos encantados, o mundo parece perfeito...Mas ele foi-se e o tempo deixou-a perdida...

Há muito que não se sentia assim, mas em frente da secretária de madeira escura viu-se obrigada a mudar de sentido. Cabelo apanhado, ar impenetrável e confiante, fato cinzento escuro de saia justa por baixo do joelho, passo firme em cima dos saltos finos de uns sapatos únicos, brilhantes; estão entre os seus preferidos na prateleira do meio do armário onde guarda mais de 100...Multipliquem-nos por muitos dias, muitas estórias, muitos andares. Haverá, portanto, uns sapatos nervosos, outros ansiosos, orgulhosos, entusiasmados, cansados, irrequietos e calmos, tristes e felizes. Não há sapatos no armário que lhe recordem aquela manhã, sentiu-a mais à flor da pele por isso, e à flor da pele tem hoje a vontade de descalçar novamente os sapatos. Mas tem a reunião do meio dia em jeito de almoço com o resto da equipa da empresa e tem uma nova manhã, de botas castanhas...

Hum...nem imaginas o que vou fazer com o meu casaco azul escuro e apertado na cinta, cabelo apanhado e sexy, botas altas castanhas...São 10h30 da manhã, vou em direcção à foz. E isto agrada-me no começo do dia.

Deixa-me, antes, aproveitar para te contar que parei num Banco para depositar cheques, nos aliados, e deu-me uma súbita vontade de percorrê-los pelo centro, a pé. Já olhaste os aliados de baixo? Já encheste os olhos, cá do fundo em direcção à Câmara? Já não os olhava assim há algum tempo. Perdi-me no cinzento e reparei. Sozinho num banco, um livro de capa branca e marcador prateado. Prendeu-me a ele e trouxe-o comigo. Mas depois conto-te o resto, já estou atrasada...

Vou seduzi-lo, a estratégia é entrar na pastelaria, pedir um daqueles croissants gulosos e juntar-lhe aquele meu ar deliciado, que sei que seduz. E ele já está a olhar para mim mais derretido que a manteiga. Caminho escorregadio, para ele. Dentro de poucos segundos vou saber tudo o que quero. Os meus olhos castanhos de mel estão agarrados aos verdes dele. Falo descontraidamente enquanto ele tenta acompanhar o meu ritmo alucinante...foi o que ele disse que eu tinha. Acabei de dar uma daquelas gargalhadas...Ritmo alucinante? Gosto de acordar cedo e ter muita coisa para fazer, de me deitar tarde a pensar na agitação do dia seguinte, de correr de um lado para o outro, de ter meia hora para almoçar, de chegar em cima da hora mas a tempo...talvez ligeiramente alucinante...

E já está. Acabou de me revelar tudo. Um beijo e um olhar de despedida, daqueles que se arrastam (nele) e deixam vontade de mais. A conquista faz-se devagar e é tanto mais forte quanto mais forte é a vontade do outro em ser conquistado. Ele tem pressa, eu tenho vagar. Funciona assim, porque eu quero.

- Luísa, posso ligar-te mais tarde?
(Sorri...)

1 comment:

Unknown said...

Era capaz de estar horas a ler os teus textos :)