Sentada nos cartões que alguém reservou para os gatos, com as pernas tapadas até aos tornozelos, ela molhava-se...enquanto chovia. Pés de unhas negras, enormes; pés calejados, descalços, molhados. Chamou mais a minha atenção por ser aquela mulher e ter aquele olhar meigo e de loucura; por não pertencer ali mas ter o direito de pertencer ao mundo.
- Obrigada menina. Só estou aqui a fazer horas, à espera que abra o albergue, que agora não me deixam ir para lá.
- Ah....está bem...
- É é...às seis já abrem. São as cinco, agora, não é menina?
- Sim, são as 5h...
- Obrigada.
(avancei)
E gritou-me...
- Obrigada minha menina, obrigada.
Tem cabelo branco, muito sujo e apertado. Tem um lenço preto tingido de manchas e tem aquela praça que se faz deserta, em frente à faculdade. No dia seguinte, quando lhe demos o pão e o leite, chorou. Mas já não chovia.
- Onde dorme? Tem sítio para ficar?
- Durmo numa casa ali em baixo. Já me abrem a porta. Não digam a ninguém meninas.
Não quer camisolas vermelhas, azuis ou amarelas. Quer a cor mais próxima do luto que carrega.
- Esta camisola vou levá-la amanhã à igreja, porque cheira bem.
E agarrou-se a ela com carinho. Foi como se o Sol abrisse por entre as nuvens agitado pela luz daquele sorriso, foi como se o mundo fosse de cores suaves e sensações quentes. Foi como se fosse perfeito...
Gosto dela, velhinha deambulante.
Mas não gosto de imaginá-la sozinha na praça, no lugar dos gatos...Pelo menos não chove e guardadas nos olhos fechados tem as estrelas...