Há uns tempos entrei no “Palácio dos Sonhos”. A visita foi guiada por Ismail Kadaré e ficou-me para sempre na memória. É por isso que hoje, já à distância, ainda a recordo assim:
Um hino à liberdade através do retrato de um regime opressor e intrometido no que de mais íntimo e livre possuímos, talvez porque não o controlamos: o sonho.
A obra de Kadaré tem um primeiro impacto “estranho”, e desenrola-se através da estrutura rígida e misteriosa de um palácio invulgar onde acaba de entrar um novo trabalhador. Confesso que não me lembro do nome, a “visita” foi no verão passado, mas lembro-me que o novo funcionário partilha do nosso sentimento de ignorância ou desconhecimento em relação ao palácio. É aos poucos, à velocidade que o tempo, a experiência e a curiosidade lhe permitem, que também nós percebemos as funcionalidades de cada sala, descodificamos o ar cerrado dos colegas de trabalho, e que chegamos às “catacumbas” dos registos dos sonhos.
O livro traz-me à memória um outro, “1984” de George Orwell, a observação transformada em espionagem, o controlo, a opressão. Mas aqui, no palácio, muito mais camuflados e muito mais no domínio do inconsciente.
Se até os nossos sonhos fossem controlados, o mundo perderia a lógica e o sentido, e viveríamos no meio de um devaneio obtuso, incapacitante e capaz de nos tirar o sono. Os sonhos representam, talvez, a expressão máxima do que ainda conservamos de puro, já que fogem à nossa racionalidade e, mesmo assim, são condicionados pelas experiências que nos marcam enquanto estamos acordados.
Estou tentada a revisitar o palácio, e deixem-me dizer-vos que vale muito a pena entrarem neste estranho mundo de Kadaré e na reflexão que proporciona.
Nota sobre o autor:
Kadaré é um escritor libanês, nascido a 28 de Janeiro de 1936, que presenciou a devastação da Albânia pelas tropas que se enfrentaram durante a Segunda Guerra Mundial. “O Palácio dos Sonhos”, publicado em 1992, é uma das suas obras mais inconformista e anti-totalitária.